terça-feira, 23 de outubro de 2012


Mente, Liberdade e Aprisionamento

Swami Chidananda


Embora a psicologia moderna sustente a existência de uma relação positiva entre a mente e o espírito, ela nada diz sobre o espírito. Por não se tocar no ser espiritual, não existe nenhum conceito sobre ele. Eles dizem que o corpo e o ser psíquico estão intimamente ligados; mas isso de forma alguma afeta o ponto de vista Vedântico. Embora se saiba que eles estão indissociavelmente ligados, o que isso tem a ver com o Espirito? Porque Ele é diferente do ser psíquico e do ser astral. O espírito é distinto de todas as coisas que compõem esta personalidade humana. É diferente de tudo, exceto de sua Svarupa (natureza essencial), isto é, a natureza espiritual. Sua Svarupa é  espírito puro, ser puro, sem começo e fim, que não se altera, que é Consciência pura. Então, no final das contas, você deve conhecê-la como pura Consciência, Suddha Chaitanya, Chinmaya e Satchidananda.


Ora, pode haver uma diferenciação entre o Self e o corpo sem se perder a individualidade! Não é tão simples assim. Não é a diferenciação entre o Self e o corpo como normalmente entendemos. É a diferenciação entre o Self e tudo aquilo que é não-Self, não apenas o corpo, mas tudo o que é não-Self. Se você tiver força de austeridade, você entenderá o que é Self e o que é não-Self. E, tudo outro além do Self é categorizado por Patanjali como Prakriti. Então, no final das contas, afinal, o que você percebe em sua experiência de Nirvikalpa Samadhi é a distinção  entre Purusha e Prakriti. Purusha significa o Self e Prakriti significa tudo o que for não Self. Então, em Prakriti estão incluídos o corpo, os cinco sentidos, os cinco invólucros, o Antahkarana, os cinco Pranas, todos os Vasanas, todos os Samskaras, todo o processo mundano, todos os fenômenos, todas as percepções, etc.  Então, cada mudança da forma psíquica, na verdade, tudo o que é feito de sentidos, Prana, mente, e mesmo o ego e todas as suas diferentes modificações, as impressões, as inclinações e tendências estão incluídas em Prakriti. E uma vez que você conheça a diferenciação, você não sofre mais com o processo mundano. Então, existe uma distinção entre Purusha e Prakriti. E enquanto a mente estiver lá, esta distinção não pode ser completamente atingida. A perda da individualidade, a aniquilação da individualidade ou a destruição da mente não precisa ser uma preocupação para o aspirante porque essa individualidade, a falsa individualidade, não tem existência apropriada em si mesma. Esta falsa individualidade se deve em razão da consciência se encontrar embaraçada devido à sua proximidade com Prakriti. Quando esta proximidade é rompida, o que resta é a verdadeira entidade. A perda de uma coisa falsa não significa perda nenhuma. Quando compreendemos que esta consciência individual é parte de Prakriti e não faz parte da sua verdadeira entidade, esta perda ou destruição não tem nenhuma importância, nenhum significado. Então, não é um mero controle da mente que Raja Yoga objetiva. Nos estágios iniciais, é o controle da mente, de modo que um determinado estado possa ser alcançado por meio do exercício do controle da mente concentrada, no qual a mente cessa de existir. Nirodha, na Filosofia de Raja Yoga, é dito que constitui o Yoga. Nirodha, é somente até certo ponto, para se atingir um estado de meditação onde você deixa totalmente o plano da mente e do ego para entrar no estado de superconsciência. Lá a mente não mais existe. A mente torna-se extinta lá. Nesse estágio de superconsciência onde você percebe o Purusha, a mente cessa de existir. A menos que você atinja o plano onde não mais existe a mente, você não é capaz de conhecer o Self. O estado em que a mente deixa de existir é absolutamente indispensável para a experiência do Self. Contudo, para alcançar aquele estado de absoluto controle e absoluta cessação de todas as atividades da mente torna-se necessário galgar degraus, necessária disciplina, e com Raja Yoga se obtem tal quantidade de disciplina. Você transcende a mente, quando esta disciplina for perfeita. Transcendência da mente e perda da individualidade não deve ser motivo de preocupação do Sadhaka. Esta individualidade éa coisa mais perniciosa. Ela é uma grande doença lançada sobre a Consciência. Ela é uma cicatriz para a pura Consciência. Então, essa perda de individualidade é o maior ganho.

Agora, uma dúvida que poderia surgir como por qual razão deveríamos destruir o princípio da individualidade, uma vez que o estágio mais alto da evolução é considerado como sendo  alcançado somente no nível humano. Consideremos a resposta. Por que você deveria se manter preso a este nível humano? Sem dúvida, é um alto estágio comparativamente, em relação a todas as espécies sub-humanas, desde a ameba em diante - a ameba, e, em seguida, os invertebrados, vermes e insetos, peixes e répteis, aves e animais e todos os outros. Tudo bem, mas isso não significa que você deve ficar preso nesse estado. Supondo que existam prisioneiros classe 'A', classe 'B' e classe ‘C’. Os prisioneiros da classe 'C' são chicoteados todo dia, tem que quebrar pedras sob o sol por 12 horas, comem apenas pão seco e água fria, e dormem no chão. Os prisioneiros da classe  'B' comem um prato extra de vegetais e a eles é dado um beliche para que os insetos, vermes e ratos não possam mordiscar seus corpos, e talvez 10 horas de trabalho diário. E aos prisioneiros da classe 'A' morem em bonitas cabanas de modo que possam cozinhar a própria comida e tudo mais. Eles recebem uma cama e  nenhum trabalho para fazer. Eles podem ler jornais, revistas e, ocasionalmente, possam também fumar.Uma vez por semana é permitido receber visitas. Agora, você poderá pensar: "Uma vez que me tornei um prisioneiro de classe  'A', por que eu iria querer sair da prisão? " Da mesma forma, o estágio humano, comparado a todos os outros estágios, é o estágio mais elevado na evolução, mas isso ainda é escravidão. Assim, a liberdade do Espírito é algo tão inimaginavelmente grande e glorioso, que até o presente estágio da evolução é escravidão. Torna-se um inferno. Comparado a todos os outros estados, é o céu e glória da criação de Deus, porque o homem é feito à imagem de Deus. Contudo, o ser humano também pode ser muito mal e desagradável. Ele pode fazer coisas que até os animais teriam vergonha de fazer, e que, por vezes, os animais seriam incapazes de fazer. O que animais seriam incapazes de fazer, o ser humano às vezes faz. E estes são os defeitos e imperfeições da vida humana. Ou, mesmo supondo que a vida humana seja muito boa, tudo de bom, toda a alegria, toda a maravilha, toda a perfeição e toda beleza, quem simplesmente iria querer se fixar a isso se existe um estado centenas de vezes melhor do que este? Esse estado é o da Divindade. Quando existe um estado ainda maior de grandeza e mais glorioso, não é sensato querer perpetuar no estado inferior.

Como podemos aniquilar a mente, já que o poder do pensamento é a própria essência do ser humano? "Cogito ergo sum" - "Penso, logo, existo", ou "Eu sou, portanto, Eu penso", diz Descartes. Podemos negar tudo, duvidar de tudo, mas não podemos duvidar do cético. Mas, então, Descartes deixou assim. Quem é este "Eu" quem diz: "Cogito ergo sum", e qual é a verdadeira natureza do "Eu"? Que é o assunto da filosofia, o tema da filosofia. A verdadeira natureza deste "Eu" é lindamente descrita nas Upanishads. As Upanishads são as emanações intuitivas do mais elevado estado alcançado na realização e a declaração da realização alcançada através de grandes voos em reinos espirituais através da meditação profunda e intuição. Eles perceberam que esse ser, este "Eu" que diz, "Eu penso, logo, Eu sou" é um ser supramental. Que está além da mente. Ele transcende a mente. Ele percebe o verdadeiro "Eu" que transcende a mente. Portanto, você vê a necessidade de se livrar deste poder pensante, o qual é uma barreira. Como podemos aniquilar a mente, uma vez que o poder do pensamento é a própria essência do ser humano? Sim, o poder de pensar é a própria essência do ser humano, mas sua natureza essencial não é a natureza humana. Você não é um ser humano. Então, não insista no erro de pensar que você é um ser humano. Você não é humano. Você é Divino. Essencialmente, você é Deus. Portanto, você deve descartar essa natureza humana, e o poder essencial da natureza humana que é a faculdade de pensar. Enquanto você continuar pensando, você estará ligado apenas ao plano humano. Então, chega uma hora em que a mente se torna uma barreira. No começo a mente é o instrumento, a mente é o caminho, a mente é a ajuda, e um estágio surge quando a mente se torna uma barreira. E quando essa fase chega a mente tem que ser descartada. Esta é uma ilustração muito simples, portanto. Suponha que a sua idéia é subir e ir para o terraço aberto. Você está no chão e agora a escada é o seu maior amigo e sem ela você não pode ir para cima. Degrau por degrau que você subir, mais e mais, e chegar ao último degrau da escada. Suponha que você se apaixona pela escada, dizendo: "Ó, ela tem-me até aqui", e você então não quer mais deixar a escada. Então, o que vai acontecer? Você não vai chegar ao terraço. Chega um momento quando você está em pé sobre o degrau mais alto da escada e você tem que decidir: "Sem dúvida, esta escada me ajudou a chegar tão alto, agora, se eu continuar a ficar na escada, eu vou ser privado do prazer de estar no terraço e assim, se eu quero ir para o terraço, terei que deixar a escada e pisar no terraço. "Até a altura onde a escada e o terraço se encontram, a escada torna-se algo indispensável, a coisa mais essencial, a mais útil, mas quando se atinge a altura, permanecer na escada se torna um grande obstáculo, um grande erro. Assim, a escada deve  ser descartada se quiser ir para o terraço. Essa é a posição da mente em termos de experiência espiritual. A maior experiência é aquele estado onde a mente se torna uma barreira, e para aproximar-se daquele nível a mente é a maior ajuda, um instrumento indispensável.

(do Livro Guidelines to Ilumination)

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