Mente,
Liberdade e Aprisionamento
Swami Chidananda
Embora a psicologia moderna sustente a
existência de uma relação positiva entre a mente e o espírito, ela nada diz
sobre o espírito. Por não se tocar no ser espiritual, não existe nenhum conceito
sobre ele. Eles dizem que o corpo e o ser psíquico estão intimamente ligados;
mas isso de forma alguma afeta o ponto de vista Vedântico. Embora se saiba que
eles estão indissociavelmente ligados, o que isso tem a ver com o Espirito?
Porque Ele é diferente do ser psíquico e do ser astral. O espírito é distinto
de todas as coisas que compõem esta personalidade humana. É diferente de tudo,
exceto de sua Svarupa (natureza essencial), isto é, a natureza
espiritual. Sua Svarupa é
espírito puro, ser puro, sem começo e fim, que não se altera, que é
Consciência pura. Então, no final das contas, você deve conhecê-la como pura
Consciência, Suddha Chaitanya, Chinmaya e Satchidananda.
Ora, pode haver uma diferenciação entre o
Self e o corpo sem se perder a individualidade! Não é tão simples assim. Não é a diferenciação entre o Self e
o corpo como normalmente entendemos. É a diferenciação entre o Self e tudo
aquilo que é não-Self, não apenas o corpo, mas tudo o que é não-Self. Se você
tiver força de austeridade, você entenderá o que é Self e o que é não-Self. E,
tudo outro além do Self é categorizado por Patanjali como Prakriti. Então, no
final das contas, afinal, o que você percebe em sua experiência de Nirvikalpa
Samadhi é a distinção entre Purusha
e Prakriti. Purusha significa o Self e Prakriti
significa tudo o que for não Self. Então, em Prakriti estão
incluídos o corpo, os cinco sentidos, os cinco invólucros, o Antahkarana,
os cinco Pranas, todos os Vasanas, todos os Samskaras,
todo o processo mundano, todos os fenômenos, todas as percepções, etc. Então, cada mudança da forma psíquica, na
verdade, tudo o que é feito de sentidos, Prana, mente, e mesmo o ego e todas as
suas diferentes modificações, as impressões, as inclinações e tendências estão
incluídas em Prakriti. E uma vez que você conheça a diferenciação, você
não sofre mais com o processo mundano. Então, existe uma distinção entre Purusha
e Prakriti. E enquanto a mente estiver lá, esta distinção não pode
ser completamente atingida. A perda da individualidade, a aniquilação da
individualidade ou a destruição da mente não precisa ser uma preocupação para o
aspirante porque essa individualidade, a falsa individualidade, não tem
existência apropriada em si mesma. Esta falsa individualidade se deve em razão
da consciência se encontrar embaraçada devido à sua proximidade com Prakriti.
Quando esta proximidade é rompida, o que resta é a verdadeira entidade. A perda
de uma coisa falsa não significa perda nenhuma. Quando compreendemos que esta
consciência individual é parte de Prakriti e não faz parte da sua
verdadeira entidade, esta perda ou destruição não tem nenhuma importância,
nenhum significado. Então, não é um mero controle da mente que Raja Yoga
objetiva. Nos estágios iniciais, é o controle da mente, de modo que um
determinado estado possa ser alcançado por meio do exercício do controle da
mente concentrada, no qual a mente cessa de existir. Nirodha, na
Filosofia de Raja Yoga, é dito que constitui o Yoga. Nirodha, é somente
até certo ponto, para se atingir um estado de meditação onde você deixa
totalmente o plano da mente e do ego para entrar no estado de superconsciência.
Lá a mente não mais existe. A mente torna-se extinta lá. Nesse estágio de
superconsciência onde você percebe o Purusha, a mente cessa de existir. A menos
que você atinja o plano onde não mais existe a mente, você não é capaz de
conhecer o Self. O estado em que a mente deixa de existir é absolutamente
indispensável para a experiência do Self. Contudo, para alcançar aquele estado
de absoluto controle e absoluta cessação de todas as atividades da mente
torna-se necessário galgar degraus, necessária disciplina, e com Raja Yoga se
obtem tal quantidade de disciplina. Você transcende a mente, quando esta
disciplina for perfeita. Transcendência da mente e perda da individualidade não
deve ser motivo de preocupação do Sadhaka. Esta individualidade éa coisa mais
perniciosa. Ela é uma grande doença lançada sobre a Consciência. Ela é uma
cicatriz para a pura Consciência. Então, essa perda de individualidade é o
maior ganho.
Agora, uma dúvida que poderia surgir como
por qual razão deveríamos destruir o princípio da individualidade, uma vez que
o estágio mais alto da evolução é considerado como sendo alcançado somente no nível humano.
Consideremos a resposta. Por que você deveria se manter preso a este nível
humano? Sem dúvida, é um alto estágio comparativamente, em relação a todas as
espécies sub-humanas, desde a ameba em diante - a ameba, e, em seguida, os
invertebrados, vermes e insetos, peixes e répteis, aves e animais e todos os
outros. Tudo bem, mas isso não significa que você deve ficar preso nesse
estado. Supondo que existam prisioneiros classe 'A', classe 'B' e classe ‘C’.
Os prisioneiros da classe 'C' são chicoteados todo dia, tem que quebrar pedras
sob o sol por 12 horas, comem apenas pão seco e água fria, e dormem no chão. Os
prisioneiros da classe 'B' comem um
prato extra de vegetais e a eles é dado um beliche para que os insetos, vermes
e ratos não possam mordiscar seus corpos, e talvez 10 horas de trabalho diário.
E aos prisioneiros da classe 'A' morem em bonitas cabanas de modo que possam
cozinhar a própria comida e tudo mais. Eles recebem uma cama e nenhum trabalho para fazer. Eles podem ler
jornais, revistas e, ocasionalmente, possam também fumar.Uma vez por semana é
permitido receber visitas. Agora, você poderá pensar: "Uma vez que me
tornei um prisioneiro de classe 'A',
por que eu iria querer sair da prisão? " Da mesma forma, o estágio humano,
comparado a todos os outros estágios, é o estágio mais elevado na evolução, mas
isso ainda é escravidão. Assim, a liberdade do Espírito é algo tão
inimaginavelmente grande e glorioso, que até o presente estágio da evolução é
escravidão. Torna-se um inferno. Comparado a todos os outros estados, é o céu e
glória da criação de Deus, porque o homem é feito à imagem de Deus. Contudo, o
ser humano também pode ser muito mal e desagradável. Ele pode fazer coisas que
até os animais teriam vergonha de fazer, e que, por vezes, os animais seriam
incapazes de fazer. O que animais seriam incapazes de fazer, o ser humano às
vezes faz. E estes são os defeitos e imperfeições da vida humana. Ou, mesmo
supondo que a vida humana seja muito boa, tudo de bom, toda a alegria, toda a
maravilha, toda a perfeição e toda beleza, quem simplesmente iria querer se
fixar a isso se existe um estado centenas de vezes melhor do que este? Esse
estado é o da Divindade. Quando existe um estado ainda maior de grandeza e mais
glorioso, não é sensato querer perpetuar no estado inferior.
Como podemos aniquilar a mente, já que o
poder do pensamento é a própria essência do ser humano? "Cogito ergo
sum" - "Penso, logo, existo", ou "Eu sou, portanto, Eu
penso", diz Descartes. Podemos negar tudo, duvidar de tudo, mas não
podemos duvidar do cético. Mas, então, Descartes deixou assim. Quem é este
"Eu" quem diz: "Cogito ergo sum", e qual é a
verdadeira natureza do "Eu"? Que é o assunto da filosofia, o tema da
filosofia. A verdadeira natureza deste "Eu" é lindamente descrita nas
Upanishads. As Upanishads são as emanações intuitivas do mais elevado estado
alcançado na realização e a declaração da realização alcançada através de
grandes voos em reinos espirituais através da meditação profunda e intuição.
Eles perceberam que esse ser, este "Eu" que diz, "Eu penso,
logo, Eu sou" é um ser supramental. Que está além da mente. Ele transcende
a mente. Ele percebe o verdadeiro "Eu" que transcende a mente.
Portanto, você vê a necessidade de se livrar deste poder pensante, o qual é uma
barreira. Como podemos aniquilar a mente, uma vez que o poder do pensamento é a
própria essência do ser humano? Sim, o poder de pensar é a própria essência do
ser humano, mas sua natureza essencial não é a natureza humana. Você não é um
ser humano. Então, não insista no erro de pensar que você é um ser humano. Você
não é humano. Você é Divino. Essencialmente, você é Deus. Portanto, você deve
descartar essa natureza humana, e o poder essencial da natureza humana que é a
faculdade de pensar. Enquanto você continuar pensando, você estará ligado
apenas ao plano humano. Então, chega uma hora em que a mente se torna uma
barreira. No começo a mente é o instrumento, a mente é o caminho, a mente é a
ajuda, e um estágio surge quando a mente se torna uma barreira. E quando essa
fase chega a mente tem que ser descartada. Esta é uma ilustração muito simples,
portanto. Suponha que a sua idéia é subir e ir para o terraço aberto. Você está
no chão e agora a escada é o seu maior amigo e sem ela você não pode ir para
cima. Degrau por degrau que você subir, mais e mais, e chegar ao último degrau
da escada. Suponha que você se apaixona pela escada, dizendo: "Ó, ela
tem-me até aqui", e você então não quer mais deixar a escada. Então, o que
vai acontecer? Você não vai chegar ao terraço. Chega um momento quando você
está em pé sobre o degrau mais alto da escada e você tem que decidir: "Sem
dúvida, esta escada me ajudou a chegar tão alto, agora, se eu continuar a ficar
na escada, eu vou ser privado do prazer de estar no terraço e assim, se eu
quero ir para o terraço, terei que deixar a escada e pisar no terraço.
"Até a altura onde a escada e o terraço se encontram, a escada torna-se
algo indispensável, a coisa mais essencial, a mais útil, mas quando se atinge a
altura, permanecer na escada se torna um grande obstáculo, um grande erro. Assim,
a escada deve ser descartada se quiser
ir para o terraço. Essa é a posição da mente em termos de experiência
espiritual. A maior experiência é aquele estado onde a mente se torna uma
barreira, e para aproximar-se daquele nível a mente é a maior ajuda, um instrumento
indispensável.
(do Livro Guidelines to Ilumination)
Nenhum comentário:
Postar um comentário