15. A Condição do Homem
As atividades do dia a
dia do homem, de manhã à noite, não são nada, mas tentativas para alcançar a liberdade.
Por uma razão ou outra ele se torna inquieto, e a luta para afastar as causas do
desassossego tomam a forma de atividade. Nenhuma pessoa é o que aparenta ser no
exterior, e nada no mundo é o que externamente aparenta ser. Tudo se apresenta diferente
do lado de fora para a visão e a percepção. Quando alguém está feliz, possui uma
tremenda energia: e mesmo que não tenha comido por quatro dias dirá, “Levantarei
tijolos!” O homem pode levantar uma pedra e carregar uma árvore, mesmo se tiver
sem comer há vários dias, porque ele está feliz por alguma razão. Quão forte
são os pensamentos! Na verdade, o pensamento não é uma substância sólida. É um
complexo de energia, um campo eletromagnético, um centro de energia, um ponto
que pulsa com tal força que nunca permite ao homem ter qualquer descanso.
Chegamos a surpreendente conclusão de que nossa felicidade não está em adquirir
coisas de forma alguma. É, finalmente, na conquista de nós mesmos.
Todos os pensamentos da
mente se ocupam com coisas fora dela, e todo o envolvimento da vida, ou, melhor,
dos negócios da vida, pode-se dizer que a preocupação do homem é com tudo que
não seja o seu próprio eu. O homem ocupa-se com as coisas externas, sejam elas humanas
ou não humanas. A maior dificuldade é de ordem psicológica. O homem vive ou
morre apenas por sua mente. Toda a atividade da vida, de manhã até a noite, é como
um empurrar para fora de si toda a energia que está em seu interior, e
empurrando-a para outra coisa, é como se todo o mundo fosse feito de tudo,
exceto o próprio eu! A individualidade não é a verdadeira existência do homem. A chamada individualidade é
uma forma falsa que a existência tomou, e ela deseja corrigir este erro tentando
expandir-se espacialmente, juntamente com o desejo de perpetuar-se também
temporalmente. Portanto, o homem vive uma incessante vida de desejos, pedindo por
mais e mais coisas no mundo. Se o sentimento do "eu existo" pode ser
dito enfaticamente para ser verdade em todos os estados de experiência, como é
que o "eu" existe nesses estados? Qual é a verdadeira natureza do eu
que afirma: "Eu sou", e passa por esses estados?
Embora seja
verdade que no estado de vigília a associação com o corpo físico seja absolutamente
essencial, em outras condições, como o sonho, o indivíduo existe sem o corpo.
Isto é estranho! O homem pode existir num sonho sem associar-se com um corpo. O
indivíduo não conhece nada no sono profundo, porque não existe objeto externo
lá. Toda vez que o indivíduo fala do conhecimento, ele sempre se refere a
um relacionamento entre o sujeito e o objeto. Mas não é verdade que não exista conhecimento
de nenhum tipo no sono profundo. Existe algum tipo de conhecimento, caso
contrário como o indivíduo poderia saber que dormiu? No sono profundo, o homem
está num estado de total existência pura, e nada sabe sobre o exterior. Não é
sequer um ser humano, nem rico, nem pobre, nem sadio, nem doente, não
possui sede nem fome. Nada poderia se aplicar a aquele estado do ser, mas ainda
assim o indivíduo existe. O homem possui uma característica dupla em si mesmo.
Ele não pode ser isolar totalmente do universo. Ele, de fato, pertence a ele. No
entanto, ele ainda mantem algum tipo de individualidade, e ele nem sempre pode sentir
que é o mesmo que o mundo.
Talvez o
homem viva de acordo com seus sentimentos em vez de seu entendimento ou qualquer
função psíquica. O homem decide sobre alguma coisa devido a um certo sentimento
em si mesmo - lógico ou não lógico. Ele basicamente confirma logicamente o que sente.
Os desejos existem para serem canalizados, sublimados, e retornam a fonte original,
a partir da forma refletida contorcida que tomam na relação mal calculada com o
mundo exterior. Um desejo, enquanto estiver aparentemente direcionado para o
cumprimento de uma satisfação objetiva, na verdade surge da necessidade de uma
experiência universal. O objetivo da vida é alcançar Deus, a realização do
Absoluto, a unidade da individualidade com o cosmos. Isto é moksha. Este é o
objetivo final de toda uma vida. O homem não é o que ele aparenta ser no nível
consciente. Ele está profundamente escondido debaixo de seu próprio self. Uma casca
de sua personalidade está trabalhando com sua consciência em vigília.
O homem atrai
aquilo que merece. A lei da Natureza não distribui injustiça arbitrariamente.
Existe algum mistério nas coisas que não somos capazes de entender. Temos que suportar
algumas dificuldades com força de espirito. Nossas queixas fazem parte de nossa
ignorância.
As coisas mais
importantes para se lembrar são o propósito colocado diante de si mesmo e o ideal
da meta à frente, em seguida, condicionar a atitude geral para a vida. Se algo está certo ou errado, bom ou mau - como
se poderá descobrir? A natureza do objetivo que se escolheu para si mesmo irá
indicar o que é certo e o que é errado em qualquer contexto particular. O homem
bom é aquele que faz sempre o bem, em todas as condições, e não é
condicionalmente bom. Além do bom homem está o homem santo, e ainda acima, o
Deus-homem. Nossa vida é um belo modelo de tear, tecido habilidosamente por um Fabricante
especializado em todas as coisas, de modo que não se pode facilmente ou inteligivelmente
compreender como é feito ou por que é feito.
O mundo, a nossa vida, é
mais sutil e está enredada em várias formas de que a nossa inteligência não nos
permite compreender. Parecemos estar em posse de algo, um pouco diferente de
todas estas coisas, que são os valores finais da existência terrena. Isso é
algo que parece que nos fala de dentro e nos faz inquietos. Se estamos
inquietos na nossa existência do dia-a-dia, é porque somos feitos de algo que é
diferente do que somos constituídos em nossa existência física. Nossos amores e
afetos, nossas relações com os outros na forma de gosto e desgosto, tudo são equívocos,
raiz e ramo. Todas as nossas atividades, seguem-se a partir dessa análise, são
também o resultado profundo de um completo equívoco da vida. Há duas direções
ao longo das quais a mente do homem se move, quer dizer, o exterior e o
interior. O caminho para o exterior é o caminho do prazer e da diversão. O
caminho interior é o da busca da realidade. Satisfações existem de vários
tipos. Sempre que estamos totalmente controlados por uma compulsão, libertar-se
de suas garras afigura-se uma satisfação. Então, satisfações são inumeráveis,
todo montante de liberação de tensão nervosa e psicológica são causadas por um impulso que
surgiu a partir do interior. Logo, a mente humana é tola. Ela não entende nada,
mas ainda assim assume a arrogância de todo conhecimento e onisciência. Nada
pode ser pior do que esta atitude da mente – nada conhece e imagina que tudo sabe.
Tal atitude é chamada ignorância. O homem de sabedoria escolhe o que é bem-aventurado
e o bem ao invés do que é agradável e satisfaz os sentidos.
A mente humana é tola. Não
compreende nada, mas ainda assim assume a arrogância de todo conhecimento e
onisciência. Nada pode ser pior do que esta atitude da mente conhecer nada e
imaginar que conhece tudo. Esta atitude é chamada ignorância. Às vezes parece
estar buscando o objetivo da Realização em Deus quando na verdade estamos perseguindo
o que é agradável às necessidades mais profundas do corpo e personalidade
dominados pelo ego. Ninguém, ordinariamente falando, pode aspirar a Deus,
totalmente. Eras se passaram desde que entramos neste estado de ignorância em
que nos encontramos. Mas é como pessoas doentes que estão por anos juntas e se tornaram
acostumadas com esse tipo de existência. No início, a doença surge como uma
inconveniência. Mais tarde, ela passa a ser como se fosse uma coisa normal. Nossa
consciência se acostuma às condições de experiência às quais nos habituamos.
Raramente percebemos que a vida pode ser uma escravidão. Estamos tão
acostumados a esta estrênua vida de ajustamente com a atmosfera exterior que fazemos
esse equivocado esforço por um tipo de alegria e satisfação. A perpétua
condição doentia é erroneamente considerada como um estado de saúde normal.
As experiências de nossa
vida não são realmente agradáveis. As condições através das quais passamos na
mente e intelecto de manhã até a noite não são as de felicidade, mas tentamos
fazer o melhor desse próprio sofrimento, e tentamos criar um céu fora do
inferno. Sua força está em você. Ela não está fora de você. A fragilidade da
personalidade, ou a fraqueza do corpo, não é devida tanto ao contato físico com
os objetivos como um ajuste errôneo que tomamos com as condições do mundo
exterior. Todos nossos sofrimentos podem em última instância se resumir num erro
de compreensão. Qualquer que seja o nível de realidade que estamos, devemos ser
mestres nisso. Vida e morte não são fundamentalmente experiências isoladas.
Quando a memória persiste, chamamos sono. Quando a memória desaparece, chamamos
morte.
Morremos por causa dos
desejos, e renascemos devido aos desejos. Os desejos são propulsões de nossa
natureza individual para certos tipos de experiência. Quando esses desejos se exaurem
pela experiência através desta própria individualidade corporal, o corpo
desaparece. A ignorância tem sido uma espécie de felicidade, porque ela traz um
tipo errado de satisfação de que o indivíduo é governado pela convicção de que tudo
está bem e não há nada errado em nenhum lugar. Se tivermos bastante tempo e
paciência para irmos fundo em nossas experiências diárias, perceberemos que há
algo abaixo dos movimentos da superfície da vida aos quais chamamos de
experiência. Geralmente, são frustradas lá e para cá pelas ondas de nossas
atividades diárias, devido as quais deixamos seja por tempo nem a capacidade de
ler nas entrelinhas de nossa vida diária. Geralmente não podemos ser felizes
neste mundo. Isso é certo, porque a felicidade não é senão uma consequência
automática de se alcançar a perfeição. No entanto, quanto mais nos movemos em
direção à perfeição, mais nos tornamos felizes.
A pior desgraça é aquela
que pensamos que não está lá. É como uma pessoa que se tornou louca, e está
possuída por um demônio. Existe um total esquecimento de nossa relação com o
Todo. Não somos capazes de conhecer nada nos movendo exteriormente, porque a
exterioridade não é a verdadeira natureza das coisas. A finitude da existência
individual é totalmente triste. O encarceramento da consciência dentro das
paredes do corpo é tão intolerável que o ser finito, em seu intenso
desassossego causado por esse aprisionamento no corpo, luta para sair desta
finitude. A perda do self é a maior das perdas. Nos perdemos a nós mesmos
imaginando que não somos o que realmente somos em relação a natureza do universo.
Nos perdemos a nós mesmos imaginando que somos pessoas isoladas. O amor próprio
é o maior dos amores, e aqui “self” significa individualidade corpórea. Porque
eu tomo a mim mesmo como sendo um indivíduo, eu sou aquele e nada mais. Sinto
que preciso preservar aquela individualidade, e eu a amo intensamente.
Se o indivíduo for um
pouco filosófico e desapaixonado em sua análise, ele perceberá que não são as
pessoas e coisas exteriores, mas ao contrário seu próprio relacionamento com
essas pessoas e coisas que constituem seu problema. Podemos ser pessoas
devotadas, mas mesmo assim, nossa devoção a Deus é na maioria das vezes pela
metade, relutante e indiferente. Tal devoção indiferente não pode trazer
sucesso, e certamente não traz sucesso rápido.
Mesmo as piores das
coisas passarão, e ninguém estará sempre na mesma condição. O indivíduo poderá
estar oprimido, e talvez sentir pressionado sob o peso deste moinho do mundo. No
entanto, ninguém pode ser moído totalmente. Existe algo em todos que é imperecível.
As coisas evitáveis na
vida seguem aonde formos, e pode não ser tão difícil para qualquer buscador se
libertar do envolvimento de coisas que não são essenciais. Primeiro e acima de
tudo o que devemos fazer é descobrir o que é essencial e o que não é essencial
na vida.
Não somos apenas
cidadãos de Nova York, Delhi ou mesmo desta Terra. Temos um passaporte para
entrar em vários planos da existência. Portanto, temos uma obrigação de
transcender os limites e fronteiras da nação e sociedade em que nascemos.
Estamos a cada momento
em tempo centrífugo e também centrípeto; ou seja, possuímos um impulso
internalizado em direção à atividade, relacionamentos sociais e contatos de
vários tipos, e ao mesmo tempo temos um poderoso impulso de manter nossa integridade
e condição. Nossa razão não é forte, nossa compreensão é débil, mas nossos
sentidos são vigorosos e impetuosos. Nossas atividades não precisam nos trazer
felicidade. Nós baixamos ao estado de total desesperança e miséria, porque não
encontramos tempo para caminhar com a luz da razão e a justiça do universo. Não
podemos ver esta lei com nossos olhos, assim como não podemos ver, por exemplo,
um governo. No afazer que somos chamamos a realizar, existe em tal coisa como
uma obrigação superior ou inferior. Tudo tem o seu papel a desempenhar. Existem
medos de vários tipos que nos mantém infelizes em segredo, e muitas das
tentativas da vida no nível consciente são tentativas para deixar de lado esses
medos. Nos ocupamos tão ativamente com trabalhos de vários tipos como uma forma
de saída ou contra-ataques contra nossos medos, e isto é usualmente conhecido
na linguagem da psicologia como “mecanismos de defesa”.
Você deve obrigação de
vários lados à vida humana – aos seres humanos, aos seus ancestrais, aos deuses
celestes, aos sábios, e mesmo às bestas e animais. Você possui obrigações, não
direitos, neste mundo. Direitos automaticamente o seguirão sem você pedir por
eles. Quando você realiza suas obrigações, você não precisa demandar seus direitos
– eles surgem espontaneamente. Quando não mais nos considerarmos como vítimas
indefesas nas mãos do isolamento do tempo e espaço, nós então nos tornaremos
seres universais participantes do objetivo do Cosmos. Então isto é o que
recebemos da Graça de Deus, pois Deus é não espacial e não temporal. Este nosso
pequeno self é como um asno carregando um tesouro em seu lombo sem saber o seu
valor! Imagine por um instante: quem está completamente feliz e satisfeito
neste mundo? A tristeza corrói as vísceras da natureza humana, e ela é caiada
por uma mancha de afirmação egoísta de adequação de si mesmo. Que você não seja
capaz de encontrar uma única pessoa totalmente satisfeita no mundo é uma
questão para profunda consideração.
Quando vejo uma pessoa a minha frente, o que penso dessa pessoa? Muitas
ideias surgem: esta pessoa veio de Nova York, ela é filha de fulano, trabalha
naquele escritório, é bem-educada. O nome da pessoa e forma são como isto. Que
outras tantas coisas posso pensar sobre a pessoa? Mas nada dessas descrições
realmente são aquela pessoa. O envolvimento das personalidades humanas é de tal
forma intrincado e quase além da imaginação que, normalmente, talvez não tenha
sucesso nem mesmo com anos de prática. Mas o esforço persistente trará seus
próprios resultados.
(Tradução Livre - sivanandaonline.org)
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