sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Função do Celibato na Vida Espiritual


Muito interessante e esclarecedor o texto de autoria de Swami Chidananda, que segue com uma entrevista por ele concedida, sobre brahmacharya. O texto é um pouco extenso, mas vale a pena ler. Esperamos que seja de utilidade.

INTRODUÇÃO



Quando se reflete sobre a função do celibato na vida espiritual, é importante lembrar que, no contexto da sociedade hindu, a questão do celibato ou brahmacharya ou autodomínio, não possui necessariamente nenhuma ligação de qualquer forma com a vida espiritual, ou sadhana (práticas espirituais), ou com a Auto-realização em si. Não é geralmente discutido ou recomendado somente com a finalidade de avançar na vida espiritual. A situação é totalmente diferente devido a uma certa singularidade que veio a ser parte inseparável da vida do Hindu na sociedade Hindu/Indiana.
 
Essa singularidade é a que nossos sábios antigos formularam como estrutura social adequada e também como padrão de vida social para o indivíduo. Na Índia antiga, a vida de uma pessoa era estimada em 100 anos, divididos em quatro fases. A primeira fase era a de estudante, ou a fase de brahmacharya, quando se esperava que o jovem estudasse muito, desenvolvesse uma boa compleição física, cultivasse um caráter nobre e, em todos os aspectos, se preparasse para a vida adulta. Durante essa primeira etapa era esperado que ele observasse total celibato.



A segunda fase era a fase de chefe de família, quando o exercício da faculdade sexual era aceita e reconhecida como parte legítima da vida humana. Era considerado como fundamental, uma sagrada obrigação de uma família criar e formar prole para formação da geração seguinte - para a perpetuação da sociedade e também das espécies. Então, aqui nesse caso não se questiona o celibato, no sentido estrito do termo, que implica em total abstinência. Por outro lado, o exercício do sexo era um dever indispensável para o chefe de família. É claro, que isso não queria dizer que deveria ser licensioso e irrefreável; caso contrário seria degradante. Mas era plenamente admitido pela sociedade, que considerava como algo sagrado e totalmente aceito.


A terceira fase da vida era o fase de aposentado, quando o casal entregava a seus filhos o encargo de ganhar a vida e eles próprios direcionavam suas mentes para coisas mais elevadas. Aqui, novamente se esperava que fosse praticado brahmacharya. Diziam os sábios: "Você quer continuar sendo apenas uma criatura física, amarrada à consciência física, por toda a sua vida? Eleve agora sua consciência além da sua total identificação com o corpo e aspire pelo mais alto!" Então eles diziam ser necessário ter autocontrole. Embora bastante peculiar este autocontrole não era um autocontrole comum; era um tipo de desafio. Isso se tornava parte de suas sadhana.




Então, durante a quarta fase, a vida deveria estar totalmente devotada a Deus e somente a Deus. Tornava-se um sannyasin, ou monge, e então, lógicamente, era de total celibato. Portanto, o conceito de brahmacharya era parte integrante da tradição social Hindu-Indiana. Em seu sentido mais limitado e restrito, brahmacharya significava completo celibato, mas em seu sentido mais amplo, como aplicado à vida de um chefe de família, significava moderação e autocontrole, não abusando da função sexual, e estrita fidelidade ao parceiro .


O homem é uma mistura de três ingredientes: primeiro, um animal com todas as tendências físicas e desejos sensoriais comuns aos animais; segundo, o racional, o nível da lógica humana, e terceiro, a Divindade adormecida, o Deus adormecido no interior. Toda a vida espiritual é uma eliminação gradual, erradicação do animal interior, e o refinamento ou purificação e educação de toda a natureza humana para que ela cesse seu movimento em todas as outras direções e comece a impor uma direção vertical ascendente. Uma vez que a natureza humana esteja voltada para o alto, o indivíduo começa a despertar a Divindade adormecida com a ajuda de todas as práticas espirituais.


Se o indivíduo percebe que o processo espiritual, a vida espiritual, é a eliminação do animal, a purificação e direcionamento do ser humano para o alto, e o despertar e desdobramento do Divino, então todas as práticas espirituais, incluindo a função de brahmacharya, fazem sentido.


Swami Chidananda







A FUNÇÃO DO CELIBATO NA VIDA ESPIRITUAL

Entrevista com

Swami Chidananda

Pergunta: O celibato ou brahmacharya sempre ocupou uma importante posição na vida espiritual, e sabemos que ambos, Swami Sivananda e você mesmo, endossam sua importância. Por que o celibato é importante e qual é o seu papel na vida espiritual?


Swamiji: Uma das razões para a sua importância é que acolhemos como parte inseparável da herança de nosso passado espiritual o conceito e visão do celibato como sendo uma exigência básica, um pré-requisito, da vida espiritual. E este conceito e visão vem sendo  reconhecido por muitos e muitos séculos, durante os quais a sociedade indiana mudou, e muitos outros conceitos antigos tem sido deixados de lado.


O hindu comum tem sido sempre progressista. Ele jamais hesitou em mudar se sentisse que a mudança poderia aumentar o seu conhecimento e conduzi-lo numa direção melhor. E ao entrar em contato com opiniões e conhecimento de outras sociedades, tem havido uma contínua reavaliação de nossos antigos conceitos e visões. Apesar disso, acreditamos que o conceito de brahmacharya e seu importante papel desempenhado na vida espiritual continuou. Ele tem resistido ao teste do tempo; tornou-se respeitado por sua antiguidade.


Se não fosse algo de valor duradouro, ele também teria mudado. Mas não. Da mesma forma como costumava ser respeitado há milhares de anos atrás, o mesmo ocorre atualmente entre os mestres espirituais, gurus e yogis – com a mesma posição de se tratar de uma coisa importante e necessária.


Então, embora Swami Sivananda fosse muito liberal e atualizado em sua visão de mundo, um sábio moderno – um profeta da nova era, como dizem, ele nunca hesitava em manter a tradição, se achasse que ela tivesse algo de valor permanente. Ele era muito flexível, mas também podia ser inflexível. E da mesma forma é  seu discípulo, Swami Chidananda, por idêntica razão.


Outra razão pela qual sempre tenho defendido o celibato é que grandes personalidades espirituais exerceram uma influência modeladora na minha vida desde que me lembro, personalidades como Paramahamsa Ramakrishna, Swami Vivekananda, Sri Aurobindo Ghosh – todas foram pessoas que fizeram votos de celibato. Foram pessoas que disseram que isto é de suma importância, indispensável. Então, naturalmente, quando essas pessoas, que serviram de inspiração na minha vida espiritual, foram tão francas e absolutamente claras, parecia que eles não tiveram nenhuma dúvida sobre isso, eu disse, bem, é isso! Assim a questão ficou decidida na minha abordagem à vida espiritual.


Brahmacharya ou o celibato é um processo racional de preservação e conservação de energia preciosa de forma que ela possa ser utilizada em outras muitas funções essenciais e indispensáveis. Se for preservada dessa forma, poderá ser convertida, assim como a água tangível pode ser convertida em vapor sutil.


Então, ela pode fazer maravilhas. Um rio pode não ser capaz de gerar muita força. Você pode facilmente cruzá-lo a nado ou a remo. Mas, se suas águas forem represadas e conservadas, então ele passará a gerar força, quando adequadamente canalizado, para fazer girar turbinas enormes e produzir eletricidade. O sol quente, mesmo no verão, normalmente não poder causar um incêndio, mas se você concentrar os seus raios por meio de uma lente, o feixe de seus raios imediatamente queimará qualquer coisa focalizada. Isso é o que o celibato realmente é.


Agora, a pergunta interessante é: Qual é a origem, a fonte, dessa energia? Depois de anos e anos de teoria e descoberta, os modernos cientistas chegaram à conclusão de que o que existe na natureza não é matéria palpável ou sólida como tal. É energia, a energia que preenche todo o cosmos, todo o espaço. Tudo o que existe está preenchido por energia inefável, a energia que toma muitas formas. Tudo o que você vê aqui, toda a força deriva da fonte suprema de energia cósmica.


E nossos antepassados têm dito que é essa energia cósmica que mantém os corpos celestes em seu curso. Todos são mantidos em movimento por esta misteriosa, inexplicável, indescritível e inimaginável energia. E eles consideravam essa energia como algo divino, algo que não tem um começo nem um fim. Ela é eterna e penetra em todos os lugares. Não existe lugar onde ela não esteja presente. E é esta energia, que não apenas mantem este universo em movimento mas incontáveis universos, que está presente na vida dos seres vivos como força sexual.


Então os Hindus respeitam esta energia como sendo sagrada, algo que seja digna de ser adorada, não desperdiçada. Eles dizem que esta energia não é outra além da manifestação da Mãe Divina, a energia cósmica. Portanto, deve ser reverenciada.


Esta força cósmica manifesta-se em nosso próprio sistema como prana (energia vital, força vital). E prana é uma reserva preciosa para o aspirante espiritual. Qualquer atividade sensorial ou experiência sensorial consome muito prana. E a atividade que consome a maior quantidade de prana é o ato sexual. Gurudev expunha isso de forma bem enfática: “Ele abala todo o sistema nervoso.” Porque cria grande excitação, grande agitação, e tal é a intensidade emocional que como resultado deixa a pessoa exausta e esgotada.


O mais elevado de todos os objetivos da vida humana – realização espiritual – requer o máximo de energia prânica disponível em todos os níveis: mental, intelectual e emocional. É através do prana que a pessoa deve conter os sentidos. É através do prana que a pessoa deve aquietar a incessante atividade da mente. É através do prana que a pessoa deve centralizar os raios dispersos da mente e concentrá-los em um único ponto. É através do prana que a pessoa deve dirigir a mente concentrada sobre o objeto da meditação.


Prana é necessário para discriminação e reflexão espiritual. O pensamento deve estar agudo e o intelecto perspicaz. Para compreender os significados profundos das instruções do guru requer um tipo especial de inteligência. Você pode ser uma pessoa muito culta, capaz de entender o significado de algo que o guru esteja lhe falando, mas se o guru estiver falando sobre um assunto de difícil compreensão que não esteja dentro do alcance de sua vivência comum, você necessitará de um tipo sutil especial de compreensão. E esta compreensão se desenvolve através de brahmacharya.


Como eu disse, todas essas várias práticas requerem a utilização de prana, e celibato garante que uma abundante reserva prânica esteja disponível ao aspirante. Portanto, visto por este ângulo, é um processo sensato e muito positivo.


Muitos Hindus ortodoxos dizem que você pode adorar a Deus, pode unir-se a Ele, vê-LO, se permanecer casado e levar uma vida normal. Mas nossos ancestrais também sabiam que isso não é um caminho fácil, porque há muitas distrações, muitas pressões, muitas tensões, muitas demandas sobre a pessoa numa vida familiar, que se entregar por completo e totalmente a Deus – bem, qualquer coisa pode ser possível, menos isso.


Você não pode servir a Deus e a Mammon. Mammon resume a vida mundana, vida na terra. Porque, se você casa, você deseja Mammon. Sem Mammon você não pode tomar conta de sua casa, manter o fogo da casa aceso, o pote fervendo, e fazer tudo isso é necessário. Somente a pessoa casada sabe de tudo que precisa ser feito. Entretanto, eles dizem que renúncia da vida terrena é necessária para entrar por completo na busca espiritual, e toda energia potencial é também necessária se você real e verdadeiramente pretende fazer o supremo esforço de se atirar inteiramente na busca espiritual e suas disciplinas necessárias.


O próprio Gurudev Swami Sivananda desenvolveu sua intensa penitência e austeridade na prática da yoga com base em brahmacharya. Então o que ele disse a respeito foi uma página do livro de sua própria vida. Ele tomou conhecimento de um breve episódio na vida de um chefe de família há muito tempo quando ele se encontrava na Malásia trabalhando como médico, e talvez isso também tenha dado a ele, como médico, uma ideia do quanto dispêndio de energia isto representa. Sua experiência confirmou ainda mais a crença da importância de brahmacharya para o yogi e a pessoa espiritual.


Este é o fundamento lógico que existe por trás do celibato. Se você conserva a energia vital e direciona para o processo espiritual de contemplação, estudo filosófico e reflexão, e meditação, torna-se bem sucedida, porque você deve concentrar sua força e ser capaz de direcionar essa força concentrada centralizando em suas prática espirituais. Se ela for preservada, concentrada e direcionada para um canal específico, ela faz maravilhas.


Existe uma outra razão porque brahmacharya é importante. Não estou agora falando daquelas pessoas excepcionais que de repente se iluminaram e então de uma vez por todas elevaram sua consciência do plano do corpo físico para o outro plano, não mais retornando. Num momento de iluminação, Ramana Maharshi tornou-se fixado no “Eu não sou nem a mente nem o corpo, Self Imortal eu sou. Não tenho nem tempo ou espaço. Eu nunca nasci.” Numa fração de segundo – num momento era apenas um estudante comum e então de repente ele sabia que ele era o que no Bhagavad Gita é descrito como “Fogo não pode queimá-lo; água não pode molhá-lo; armas não podem machucá-lo; vento não pode secá-lo. Você é não nascido, permanente, eterno, além do tempo. Morte não é nada para você” - ele se fixou de uma vez por todas naquela experiência, e nunca mais saiu daquele estado. Toda sua vida, não importa o que estava acontecendo ao seu redor, nada o atingia. Nada o afetava. Não estou me referindo a esse tipo de pessoas.


A Vedanta há muito tempo comprova a existência desse tipo de estado humano, e os sábios viram claramente que 999 dentre 1000 pessoas ou 9.999 dentre 10.000 estavam completamente envolvidos no estado de “Não sou este corpo.” Eles sabiam de suas identidades somente como entidade física, um ser com mãos e pés e ouvidos e olhos, comendo, bebendo, dormindo, falando, fazendo coisas. Então eles estavam totalmente ligados ao corpo. Suas consciências foram realizadas no nível do corpo físico.


Esta é a situação. Mas o objetivo do aspirante espiritual é Consciência Cósmica, que é sua realidade interior além do tempo, espaço, nome e forma. Então, quando você justapõe o presente estado de consciência e a experiência que eles desejam atingir, você é apenas capaz de imaginar o quanto isto seria impossível se eles continuassem perpetuando esta total identificação com o corpo físico e todos os seus processos.


Dentre todos os processos do corpo, muitos tornam-se mecânicos. A maioria das pessoas não está consciente do ato de comer, beber, dormir, das necessidades do corpo. Todas essas coisas tornaram-se automáticas. Mas o único processo que elas propositalmente estão comprometidas, desejando – querendo, pensando, planejando e indo atrás dele – é o desfrute sexual, o que significa que isto é um processo no qual as pessoas concentram totalmente suas consciências, toda a mente, toda a atenção sobre o físico, sua identidade física. Visto de um ângulo o ato sexual é o ápice da fisicalidade ou animalidade. É um processo que necessariamente direciona toda sua atenção sobre o físico, e ainda mais, concentra toda a atenção de seu desejo e intenção para aquela parte de sua natureza física que você tem em comum com todo o reino animal. Isto de alguma forma irá ajudá-lo a alcançar a Consciência Cósmica?


Então, eis aqui o ser humano, coroação e glória da criação de Deus, do alto e acima de todo o resto das espécies vivas, descendo para o nível grosseiro, físico, da matéria animal e se entregando totalmente à procurar, desejar, indo atrás, fazendo tudo o que o indivíduo puder para obter, entregar-se, e querer que esteja sempre disponível. Isso significa que o indivíduo está voluntariamente se vinculando a um nível de consciência física.


Se você é um aspirante espiritual, não vê que está trabalhando contra si mesmo? Você tem que libertar a consciência dos níveis mais inferiores e seguir elevando progressivamente para níveis mais altos e mais altos, dos estados mais puros para os estados mais refinados. Já que todo o processo espiritual de iluminação é um processo de elevação da consciência para um nível mais elevado, isso automaticamente implica que você vá se liberando de um estado inferior da consciência. Se você deseja avançar para norte você deve ir se afastando do sul.


E uma das coisas que ajuda a você se manter livre do aprisionamento neste nível físico é o celibato. Consciência Cósmica, Consciência Absoluta, está há uma longa distância se você não reconhecer a necessidade de libertar-se de sua total identificação com o corpo.


Pergunta: Existe algum estágio especial na vida espiritual quando o celibato se torna especialmente importante ou mesmo essencial?


Swamijii: Sim e não. De um ponto de vista, o celibato forma a própria fundação, e a fundação não é qualquer estágio mais adiante do processo construtivo. Ela está logo no início, o estágio do ABC. Então podemos dizer que ele não está em algum estágio em que se torna importante ou indispensável, mas que é essencial desde o início.


Pergunta: Se você quiser chamar isto de um estágio, então isso significa que você chamaria o estágio no qual começa levando a vida espiritual seriamente.


Swamiji: Sim, seriamente – quando você diz isso é o que você quer dizer. Se sua aspiração for autêntica e genuína, e se a aspiração é tomar a forma de completo comprometimento em direção à experiência espiritual e um completo esforço para se mover naquela direção, então você pode continuar se movendo apenas naquela direção. Você não pode ficar correndo atrás de duas coisas. Porque então estará dando um passo para frente e outro para trás, e você nunca realmente irá fazer progresso.


A vida espiritual inicia-se quando você comeca a reconhecer que enquanto mantiver precipitando-se na busca por satisfação dos sentidos e prazeres, você não estará avançando. Então tudo será acadêmico e teórico. Nossa aspiração, nosso desejo por vida espiritual ficará apenas na teoria – fantasia e sensação. Você ainda não iniciou. Então no próprio estágio inicial da vida espiritual estará desviando da experiência dos sentidos e indulgência e começando a se movimentar na direção oposta.


Talvez seja precisamente por causa disso que Maharshi Patanjali colocou brahmacharya logo no início dos oito passos de Raja Yoga e não nos últimos estágios. É um dos cinco votos que constitui o primeiro estágio. Se ele tivesse achado que fosse somente importante e essencial no estágio final, então ele teria colocado no terceiro ou quarto estágio. Mas não, ele colocou logo no início.


Swami Sivananda costumava dizer: “Brahmacharya é a base da imortalidade.” E em muitas passagens nas Upanishads é dito: “Sabedoria não pode surgir daquele que não possui seus sentidos sobre controle e que não controlou os caprichos da sua mente errante.”


Então eu acredito que celibato não está em algum estágio, está em toda vida espiritual. Porque a vida espiritual é uma transcendência de sua natureza humana, consciência humana. E se é uma transcendência, você deve deixar para trás tudo que constitui sua natureza humana, consciência corpórea. Você terá que começar e se manter nele. Você vê o celibato de uma forma positiva, não como algo antinatural. De forma alguma você sente que está cometendo qualquer violência contra si próprio.


Finalmente, de um ponto de vista técnico e puramente científico, uma das yogas em que o celibato é absolutamente essencial e indispensável na yoga kundalini. Não há como transigir. Desde o início ele é absolutamente essencial e indispensável. Caso contrário é perigoso ir para yoga kundalini que está baseada em pranayama e vários mudras, bandhas e asanas.


Esta é a parte “não” da resposta.


A parte “sim” da resposta está declarada no total contexto da vida espiritual na Índia, há certos estágios e estados em que a pessoa pode estar altamente espiritualizada e ao mesmo tempo estar levando uma vida sexual normal. Isto é verdade especialmente no caminho de bhakti – pessoas que estão seguindo o caminho do amor a Deus, devoção, prece e adoração, cantando o Divino Nome, cantando Suas Glórias. Este caminho não faz nenhuma distinção entre o brahmachari celibatário, um chefe de família casado, e o casal que vive uma vida espiritualmente orientada após terem concluído suas obrigações como chefes de família.


Então o caminho da devoção parece ser uma dimensão da vida espiritual na Índia onde o total celibato no sentido de absoluta abstinência não se exigiu. Não é visto com desaprovação, como também não se exige. Entretanto, como o ato sexual consome grande quantidade de energia prânica, naturalmente autocontrole é também importante. Mas sexo promíscuo nunca foi tolerado, nunca foi olhado com respeito. Então um tipo de celibato na forma de autocontrole e fidelidade em seu relacionamento sexual com seu companheiro legalmente reconhecido pode também ser considerado brahmacharya. Aqui, o marido olha todas as outras mulheres como sua mãe. Ele possui apenas uma mulher e esta é sua esposa legalmente. Ele é o que é chamado esposo eka-patni-vrata, aquele que tomou o voto de possuir apenas uma esposa. Não se cogita de ter uma amante ou mesmo de se pensar em outra mulher. E a esposa leva sua vida com base no voto de pati-vrata. No sentido amplo, ela possui apenas um companheiro na vida. Todos os outros homens são como crianças; ela possui o sentimento de maternidade em seu coração em direção a todos os outros homens exceto seu marido. Então aqui a vida sexual de forma alguma contraria a vida espiritual.


E esta tem sido a situação de muitos devotos, amantes de Deus, e não faltam exemplos desse tipo na Índia espiritual. Em toda a Índia temos visto o fenômeno de grandes comunidades de devotos voltados para Deus, muitos ou a maioria deles pessoas casadas, levando vida sexual normal, mas contudo absorvidos no divino amor de Deus. Então, isto é a parte afirmativa da resposta. Neste estágio sexualidade não parece de forma alguma proibida ou incompatível com vida espiritual.


Pergunta: Acredito que na inquirição Vedântica, uma maior abordagem intelectual da vida espiritual, poderia também não ser incompatível com a vida normal de casado.


Swamiji: Sim, sim. Mas de acordo com o tipo de vida pregado pela Vedanta, gradualmente, inconscientemente, sem mesmo se pretender isso como objetivo, no curso de tempo a pessoa gradualmente ascende àqueles níveis de consciência em que o sexo começa a parecer supérfluo. Porque ele contradiz a teoria básica da Vedanta: “Eu não sou este corpo. Não sou os cinco elementos. Não sou os acessórios limitadores. Sou algo muito distinto e diferente” E para aquela Coisa diferente, distinta, sexo não tem nenhum significado. Visto que Ela não se encontra no interior da consciência física e das funções do corpo físico.


Pergunta: Celibato tem sido visto frequentemente no ocidente como algo ultrapassado, fora de moda. É visto normalmente como repressivo, uma negação da vida – sendo até mesmo tido como antiético para a finalidade básica de que trata a própria prática espiritual. Muitas autoridades espirituais no ocidente agora ensinam que para realizar nosso pleno potencial como seres humanos, devemos abraçar, ao invés de evitar ou reprimir, nossa sexualidade. Estes pontos de vistas se posicionam em completo contraste com o que as grandes tradições têm ensinado. O que você pensa a este respeito?


Swamiji: Eu não concordo com essa posição que acaba de expressar. Eles têm falhado ao compreender o sentido de brahmacharya na vida espiritual.


Ele não está ultrapassado; não está de forma alguma fora de moda e não é repressivo ou nega a vida. Pelo contrário, é utilizado como suporte para toda vida, vida infinita. A visão de vida deles parece ser muito, muito limitada e uma visão estreita da vida. Brahmacharya não é apenas para a vida que aí está. Quando você tem um pequeno vislumbre ou ideia do que a vida realmente é, então você fica estupefato. A vida presente fica como que sem sentido. É uma mesquinharia, um nada, se não entendido como se estivesse decolando de uma pista para ser catapultado para uma vida maior.


Esta vida é um meio para que a existência humana possa entrar naquela que é a maior, a mais gloriosa, o grande fim e objetivo, que é a vida de Deus, que significa você com a vida de Deus, o Reino dos Céus. Este é o verdadeiro propósito da existência humana. A vida humana nos é concedida como sendo uma passagem para a Divindade, como uma passagem para a vida eterna.


Ninguém com um pouco de conhecimento religioso e consciência ou visão espiritual jamais negará a validade de brahmacharya. É algo científico e uma coisa científica nunca está ultrapassada ou fora de moda. Brahmacharya não é evitar nem reprimir a sexualidade. É dar adeus a sexualidade de forma que o potencial e poder do processo sexual possa agora ser utilizado para algo tão maravilhoso que em contraste o sexo perde sua importância.


Assim brahmacharya não é reprimir e nem evitar a sexualidade. É apenas deixar de lado a sexualidade – utilizando este potencial sexual para algo dez vezes mais, centenas de vezes maior. Por esse motivo, repressão e supressão são termos impróprios. É devido a ausência de compreensão adequada do que seja verdadeira busca espiritual. Se for compreendida, então estas expressões não serão mais utilizadas. Não somos apenas seres humanos; somos mais do que seres humanos. Nossa condição humana é apenas um pálido reflexo do que realmente somos. A única razão que faz com que nossa condição humana alcance sentido e significado é quando é utilizada de forma apropriada, e isto pode nos levar a Deus – por direito de nascimento.


Se você deseja entender a prática do celibato por meio de uma analogia de acordo com o pensamento atual, considere um atleta que possui grande ambição para ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. Ele voluntariamente se colocará nas mãos do treinador, e se o treinador diz, “Chega de festas na madrugada, chega de sexo, chega de fast-food, chega de álcool.” o atleta prontamente concorda. Ele diz: “Concordo com isto e tudo mais que você quiser.” Por quê? Porque ele quer a medalha de ouro. E ninguém levanta uma sobrancelha, ninguém se indigna. Por quê? Porque a medalha de ouro justifica todas essas “proibições”. Você não pode dizer que ele está se violentando ou se reprimindo, porque ele não está vendo desta forma. Ele está querendo fazer qualquer coisa que o treinador determinar que ele faça. Não está lhe sendo imposto por outra pessoa. Entendemos porque ele está fazendo isso e aceitamos.


No entanto, a única idéia existente no Ocidente no sentido de que brahmacharya seja supressão não está totalmente fora da realidade. Se a pessoa reprime ou suprime alguma força ou faculdade natural interior, pode provocar alterações indesejáveis na personalidade. Se brahmacharya for imposta sobre a pessoa contra a sua inclinação e vontade, naturalmente que poderá ocorrer condições anormais, porque a pessoa estará sendo obrigada a fazer algo que no fundo não quer fazer – está sendo compelida pelos outros, por uma repressão social ou fazendo voto que ele ou ela não deveria ter feito antes de considerar exatamente no que isso implicaria.


Mas se uma pessoa inteligente, após ter ponderado profundamente sobre os princípios fundamentais da vida, diz: "Se desejo algo incrível, importante, não posso me dar ao luxo de esgotar as energias que disponho. Quanto mais eu economizar, mais poderei desviar para essa realização e maiores serão as chances de ser bem sucedido.” Assim pensando e tendo compreendido a lógica disso e avaliando a suprema realização que ao final isso poderia levar, se ele ou ela, voluntariamente, de bom grado e com grande entusiasmo faz a promessa de celibato, onde está o problema da repressão?


Pelo contrário, o que parece ser uma espécie de negação é na verdade total entrega a uma dimensão maior do seu ser para o qual você se coloca. Assim, longe de se estar negando a auto-expressão, está dando plena expressão a si mesmo, porque você não está mais identificado com o menor aspecto de sua total personalidade. Está identificado com o aspecto mais elevado. É uma espécie de libertação e de evolução para um nível superior. É algo positivo, criativo e não qualquer coisa negativa. Não é uma negação, mas uma expressão real de si mesmo em forma de bem preparada aspiração e uma nobre ambição.


Quando o processo ocorre dessa forma, então Freud e os outros estão errados. Eles nunca imaginaram tal situação, tal possibilidade. Mas isto não é somente uma possibilidade, é uma tradição de séculos, milênios - alguém estar preparado para fazer qualquer coisa, dar qualquer coisa, pagar qualquer preço para a realização do Altíssimo.


Pergunta: Tantra ou a prática da "Sexualidade Sagrada", está se tornando muito popular no ocidente atualmente. Você acha que esses ensinos oferecem um autêntico caminho espiritual?


Swamiji: Não, eu não acho que estes ensinamentos oferecem um caminho espiritual autêntico. Por quê? Por causa da fragilidade humana, da fraqueza humana. A mente humana é de tal forma que ela sempre toma o caminho que oferece menor resistência. Ela busca sempre o caminho mais fácil.


Tantra é uma aproximação de Deus através de todos os tipos de desfrute dos sentidos. Tudo é ofertado a Deus e então tudo se torna santificado; nada é profano. A pessoa desfruta da satisfação sensorial e vê isto também como parte da bem-aventurança de Deus. Há uma concepção, e que tem a ver com isso que, enquanto toda experiência humana de dualidade persiste – existe um sentimento de "Eu estou desfrutando este objeto", ao final da experiência sexual entre o homem verdadeiramente apaixonado, intensamente apaixonado pela mulher e com total reciprocidade da mulher, não existindo a individualmente de cada um separado. Ocorre uma fusão por completo da consciência separada de cada um, e passa a existir somente a consciência da experiência de bem-aventurança. Não existe aquele que experiencia. Diz-se que isso é uma possibilidade quando praticado com perfeição. Os dois deixam de existir e passa a existir apenas um, numa experiência não-dual, Experiência Absoluta, Consciência Brahmanica. Então diz-se que o corpo humano é um instrumento que, se adequadamente utilizado, pode promover a elevação da consciência do corpo.


Para um dentre um milhão isso pode acontecer.


A busca do prazer faz parte da visão de vida ocidental – não a negação do prazer. E talvez um dentre dez poderá ser um instrutor autêntico, capaz de oferecer algo adequado ao temperamento do ocidente. Porém, nove deles são pessoas muito astutas. Eles sabem que existe um mercado para isso, e têm consciência disso. A abordagem é: Você poderá obter o melhor dos dois mundos.


Veja você, este era um caminho autêntico que uma vez existiu na Índia, especialmente na parte oriental. Ainda hoje existe. Mas tornou-se grosseiramente pervertido. Pessoas se enredaram nesse caminho. Essas pessoas diziam que estavam praticando o tantra, mas estavam apenas bebendo, jantando, e tendo prazer sexual. Isso levou-os a lugar nenhum, mas suponho que os levou aonde eles queriam ir. Por isso, foi apelidado pelas pessoas iluminadas daquele tempo como o “caminho pervertido”. Dois caminhos então passaram a existir: o caminho autêntico o qual é chamado “caminho da mão direita", e o caminho pervertido que era apenas estar atrás do gozo. Conhecido como o “caminho da mão esquerda”.


Há uma episódio na vida do grande Sri Ramakrishna, o guru de Swami Vivekananda. Ele praticou todos os caminhos da yoga assim como o Cristianismo, Islamismo e outros, e descobriu que ao final todos conduzem a mesma experiência de Deus. E durante um período de sua vida espiritual ele também praticou tantra. Uma adepta do tantra aproximou dele e disse, “Eu estou sendo enviada aqui por Deus para iniciá-lo no caminho tântrico para atingir a Deus.” Dia após dia ela expôs o caminho do tantra. Mas quando chegou no estágio final, Sri Ramakrishna, que fez votos de brahmacharya, respondeu que através deste (dele) corpo isto seria impossível. Ela disse, “Então, representarei tudo diante de você.” Então ela conseguiu que um casal tântrico realizassem o derradeiro ato consumado da prática diante dele. A medida que ele observava estágio por estágio ela ia descrevendo para ele: “Observe cuidadosamente. Agora você pode ver como eles estão em êxtase; eles estão extasiados. Eles estão perdendo suas próprias consciências.” E naquele estágio, de repente Ramakrishna perdeu toda consciência. Ele entrou em samadhi profundo. Então ele indiretamente provou a si mesmo que a experiência sexual pode elevar àquele estado além de toda dualidade.


Então uma ciência como essa existe, mas existem poucos gurus autênticos, e deve ser estritamente seguida sob supervisão pessoal de um verdadeiro guru. Provavelmente poderei ser acusado de não estar sendo caridoso, mas eu acredito que a maioria daqueles que lidam com a sagrada sexualidade moderna estão mais interessados apenas em obter lucro com isso para si próprios.


Como lhe disse, a força sexual é sagrada; o sexo é sagrado. É uma das coisas mais sagradas. Mas sexualidade sagrada é um termo impróprio. Uma vez que você se enrede na sexualidade, o sagrado vai embora. Isso é devido à fraqueza do homem, sua fragilidade. Portanto, não defendo isso.


Pergunta: Considerando o número de erros e aberrações daqueles que fizeram voto de celibato por toda a vida, tanto no Ocidente como no Oriente, você acha que talvez a adoção da prática deva ficar retrita à pessoas que atingiram primeiro um certo nível de espiritualidade?


Swamiji: Eu não concordo inteiramente com essa visão, porque, em primeiro lugar, as pessoas atingiram um certo grau de maturidade espiritual pelo menos parcialmente através brahmacharya. O simples fato de terem atingido um certo grau de maturidade espiritual indica que brahmacharya, pelo menos no sentido mais amplo do termo, deve ter sido parte de sua constituição ou parte da maneira pela qual atingiram um grau de maturidade. E eu não hesito em dizer que os erros e as aberrações aos quais você se refere não pode diminuir a validade do conceito e da tradição de brahmacharya de qualquer forma. Elas ocorrem apenas devido à imperfeição das pessoas em questão.


Por outro lado, antes de fazer um voto de celibato por toda vida o indivíduo deve assegurar que possui uma vocação verdadeira, deve existir um chamado interior para a vida espiritual e para abraçar o celibato. Não pode ser uma decisão baseada num sentimento de euforia sentimental e emocional, mas sim uma decisão resultante de uma avaliação lógica e racional da vida. Eu também insisto que a pessoa não se deve tomar o voto do monasticismo, até que a pessoa esteja madura o suficiente para compreender sua própria biologia e tenha tido alguma experiência sobre si mesmo, com o que é necessário lidar. É preciso encarar isto totalmente.


Também gostaria de sugerir que uma pessoa seja autorizada a tomar o voto de celibato vitalício somente aqueles mantidos sob observação e tutela por algum tempo. Por exemplo, a Missão Ramakrishna mantém a pessoa como pré-estagiário por um ano inteiro. Então, ele passa por um estágio de um período mínimo de oito anos. Só então que passa a ser elegível para solicitar sua ordenação como swami. Portanto, este tipo de admissão, filtro e observações poderia talvez evitar muitos destes erros e aberrações. Somente se permitiria que uma pessoa fizesse esse voto após um certo período da vida espiritual.


No entanto, mesmo quando todas as condições que mencionei são preenchidas, extremo cuidado deve ser exercido até que um estágio seja alcançado quando brahmacharya seja uma condição normal e natural do indivíduo.


Brahman é o maior brahmachari porque Ele é Um sem um segundo, e se você estiver estabelecido em Brahman, você está no mesmo estado – onde não existe outro. Há uma fase em que se torna totalmente desprovido ou livre da idéia de sexo. Não há sexo, ou homem ou mulher, ou isto ou aquilo, porque nossa visão mudou radicalmente. Independentemente do que esteja ao redor no mundo em que se está vivendo está totalmente mudado. A consciência não é mais mantida nesse nível, onde estas coisas têm qualquer significado ou relevância. Quando a consciência está em outro lugar, todas as coisas são vistas, percebidas, mas elas não fazem nenhuma diferença. Você olha para isso, você olha para aquilo, você está vendo tudo, mas isso não traz qualquer alteração no estado de sua consciência interior, que sempre permanece a mesma. Essa é a transcendência final, que é uma possibilidade e que é um ideal, que deve ser perseguido e que deve ser atingido. Isso é o que o guru quer para o discípulo. Isso é o que os santos desejam para o homem comum. Porque, antes disso ainda há o risco de uma queda. Daí nossos santos dizerem para que sempre tenha cautela até o último suspiro.


Na verdade, a vasta maioria dos seres humanos são somente animais humanos; eles se encontram totalmente enraizados na consciência do corpo. Assim o yogi diz que suas consciências giram nos três centros mais inferiores, como comida, sexo e eliminação de dejetos. Se algo mais superior desperta e passa a desenvolver compaixão pelos outros, num espírito de serviço, querendo fazer os outros felizes, então o consciência, ocasionalmente, se manifesta no quarto centro, o centro do sentimento.


Se a consciência persiste na tendência ascendente da evolução espiritual e de vida ideal, pode vir para o chakra visuddha onde se pode ter muitas experiências subjetivas, visões, etc. mas ainda as experiências vêm e vão e com a consciência se movendo para cima e para baixo, para cima e para baixo.


Se a consciência se eleva mais para o alto para o chakra ajna, a pessoa tende a ficar cada vez mais estável, segura, porque este é o centro da mente, da psique. Mas é somente quando a consciência chega ao sahasrara que não existe mais a chance de uma queda. O indivíduo está num nível acima da consciência do corpo. Não está mais consciente de si como sendo um corpo. Não pensa, sente ou concebe como sendo uma entidade física de forma alguma. Não existe movimento para os níveis inferiores. A Consciência está firmemente estruturada. Mas até então há sempre a necessidade de estar vigilante.


Pergunta: Qual é o segredo para ter sucesso em brahmacharya?


Swamiji: É como você o encara!


Primeiro de tudo é como você o compreende. Brahmacharya é o desvio para um propósito maior e utilização da energia potencial básica sutil, essência do universo localizada no ser individual. É o aspecto individual ou microcósmico do ilimitado, infinito, Poder Cósmico primordial que é o aspecto macroscópico, ou o aspecto dinâmico da Realidade não-dual. Como você sabe, o aspecto estático é Brahman, que é a Realidade não-dual transcendental. E a cinética ou o aspecto dinâmico é a mesma coisa em manifestação ou expressão em movimento.


O aspecto individualizado desse Poder Primordial, localizado em todos os seres, é este potencial latente de continuidade ininterrupta da vida e da existência. Este potencial está praticamente em todos os lugares. Apenas porque você tem condições de descrever e definir ou explicar de acordo com a moderna física ou química isto de forma alguma altera a realidade metafísica ou filosófica de sua verdadeira natureza. Fisicamente você pode explicar de acordo com a pressão, etc, mas isso é apenas uma explicação de algo que já está a transformar, um processo em curso de ser continuamente e se tornar, de ser e tornar-se.


Este potencial criativo, esse poder criativo, está presente em todos os reinos vegetal e animal. É só isso que se manifesta como todas as forças diferentes no indivíduo humano sendo, o poder de agir, o poder do pensamento, a capacidade de ver, ouvir, cheirar, saborear, para digerir, para respirar – tudo. E é isso que está igualmente presente em ambos os sexos, como a energia sexual. Por conseguinte, este é o segredo para a vida, pode-se imaginar a sua importância, e também se pode imaginar a sua preciosa qualidade.


Se alguém é capaz de entender dessa forma - perceber sua verdadeira natureza cósmica sagrada, como o aspecto sakti (energia) microcósmica ou Poder Cósmico – com uma atitude de reverência saudável. Não é algo para ser apenas cuspido como uma escarro. Uma pessoa pode gastar com moedas de cinco e dez centavos, mas se essa pessoa tiver moedas de ouro ela não irá querer se desfazer delas tão facilmente. Então, reverência é resultado desse entendimento. Além disso, o aspirante reconhece e vê claramente: "Existe algo muito importante que tenho que fazer. Tenho uma grande meta a atingir e preciso de toda a energia à minha disposição para colocar em minha busca espiritual. Eu não posso dar ao luxo de desviá-la para outros canais, para obter uma realização menor. " Como Swami Krishnanandaji costumava dizer," É melhor mirar um leão e errar do que um chacal e atingi-lo."


Assim, o primeiro segredo para o sucesso em brahmacharya é reconhecer e compreender a sagrada e preciosa natureza da energia potencial que se possui. Quando se tem essa clara percepção cujo propósito é ser conservada, preservada e direcionada para a maior de todas as conquistas, então se deseja ser um brahmachari. Isto é visto como um processo muito positivo.


Um segundo segredo para o sucesso, a forma de ver brahmacharya e o papel do sexo, é ainda mais fundamental, e é um dos dois fatores que, em grande medida, tem sido por mim utilizado. É claro perceber que, em primeiro lugar o que é chamado de órgão sexual masculino não é um órgão sexual de maneira alguma. É apenas um dreno urinário. Isto é o que ele é, e esta é a sua função principal desde o momento em que o filho entra no ventre de sua mãe e vê a luz do dia, até o último suspiro do indivíduo, quando parte deste mundo.


Na verdade, se você observar, o sexo não está de forma alguma naquela parte de nossa anatomia; o sexo não está no órgão urinário; ele está na mente da pessoa. Por isso, é uma questão de atitude mental. Se você se convencer e treinar sua mente a pensar de forma equilibrada e racional – verá que se trata somente de uma coisa para eliminação; sua finalidade principal não é aquela que domina o mundo e deixa todos loucos – então de imediato você se libertará. Ele não te deixará mais obcecado porque você não irá mais pensar da forma que a grande maioria de nossa triste sociedade humana tem pensado.


Parte da razão para a obsessão do mundo com o sexo e porque isto se tornou um grande problema – sexo antes do casamento, adultério, sexo promíscuo – é a sua exploração pelos interesses comerciais e seus anúncios. Para vender produtos, eles difundem o fenômeno moça-encontra-rapaz – o corpo da mulher com o propósito de desfrute, e portanto ela deve cultivar um corpo que atraia o máximo possível – como se o sexo fosse a única coisa importante na vida. Eles distorcem completamente a sua finalidade básica. Quanto mais cedo se percebe isso, mais fácil tornará possível brahmacharya. Porque, se pensarmos bem, a principal função do ato sexual, é o importante e indispensável processo de procriação.


Num sentido metafísico o marido e a esposa estão cooperando com o Criador para a perpetuação da espécie, para que a criação continue. Essa é a função principal, não a experiência de prazer que a acompanha. Isso é um desdobramento secundário do mesmo. Então, por que esta função é tão agradável? Tinha que ser. A função procriativa, a perpetuação das espécies, feita através do ato sexual, se não fosse combinada com uma super experiência de prazer e gozo, ninguém iria experienciar, e sua finalidade seria nula. Logo, em Sua sabedoria a Mãe Natureza combinou estes dois elementos, quais sejam, o ato sexual e o prazer.


Mas se a mente for desviada para coisas mais elevadas, automaticamente brahmacharya se torna mais fácil. Você pode ter sucesso em brahmacharya se a mente estiver totalmente ocupada por algo tão maravilhoso, tão grande, que ela absorva e te eleve, e a mente seja simplesmente atraída para isso. Quando você deseja desfrutar algo infinitamente superior, então você diz: "Jogar fora isso não é nenhum descarte. Deixar de desfrutar os prazeres menores no nível físico do meu ser não é de forma alguma nenhuma renúncia que possa me vangloriar." Pelo contrário, você está sendo astuto e inteligente, porque você deseja ir atrás de algo infinitamente mais maravilhoso. É como jogar fora pedaços de vidro dizendo, "Eu os substituirei por diamantes." Essa é outra maneira de olhar para todo o fenômeno do celibato do ponto de vista da vida espiritual e a mais alta conquista de iluminação.


O terceiro segredo para o sucesso é também algo que eu mesmo tenho usado desde o início, e eu acho que é a resposta definitiva. O verdadeiro segredo do sucesso em brahmacharya, o verdadeiro segredo, é o que agora vou lhe dizer.


No momento em que você começa a pensar que eu sou o Atman não nascido, sem nome, sem forma, eu não tenho nem corpo nem mente, Sou satchidananda (Existência-Consciência-Bem-Aventu- rança Absoluta), Auto-suficiente, Eu a própria natureza da Felicidade Absoluta - se você então mudar totalmente sua  consconsciência para sua realidade, para sua essência, eterna, verdadeira identidade, então, acabou! Brahmacharya já não é mais um problema. A problema de brahmacharya deixa de existir, exceto de vez em quando, devido às impressões antigas da mente. Se algum fator fora de você acontece para atuar como um estímulo, então uma idéia pode surgir.


Veja bem, não é apenas o que o seu mecanismo mental, intelectual pensa sobre si mesmo, são também os sentimentos a respeito de si mesmo. Se ambos, seu pensamento e sentimento são elevados a uma altura tal, elevados àquela dimensão - não é somente uma questão de elevação, é uma dimensão totalmente diferente – e você se movimenta para aquela dimensão, esta dimensão mais inferior deixa de ter importância, deixa de exercer qualquer impacto sobre você. Ela está lá; pode atuar, mas você não é afetado por ela de forma alguma.


Uma vez que você comece a cultivar a permanência da consciência da sua própria identidade essencial, então brahmacharya já não é um problema. Está resolvido. Assim, o último segredo para o sucesso em brahmacharya é Atma Bhava, ou seja, é tornar-se absolutamente convencido de que você é algo além do corpo, mente, sentidos, etc. A mente, devido a habitual forma incorreta de pensar, de tempos em tempos pode trazer uma idéia contrária de que "Eu sou fulano." Seja indiferente a ela. Descarte-a como se fosse algo sem sentido. Recuse-se a entretê-la. Não dê nenhuma atenção a ela. Apenas seja. Permaneça em seu próprio Self. Esta é a chave-mestra mais do que qualquer outra coisa.


Se você quiser colocar isso num sentido devocional, existe uma composição linda de SwamiYogananda. É algo mais ou menos assim: "Eu sou a bolha, Você é o mar. Permita que eu deixe de ser a bolha, faça-me o mar." E assim o devoto ora a Deus:". Eu sou Teu filho, o que Você é, é o que Eu sou. Você é divino, então Eu sou divino. Você não possui corpo, então Eu não tenho corpo. Eu sou puro Espírito, todo penetrante, como Você. Leve-me até o Seu estado de consciência."


Então, o devoto coloca de uma maneira diferente. Mas o segredo final para o sucesso em brahmacharya é o processo Vedântico de mudar sua consciência – rejeitando a consciência do corpo e fixando-se na sua verdadeira Auto-consciência onde não existe masculino, nem feminino, não existe corpo, nem sexo, nem personalidade.

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