sexta-feira, 18 de abril de 2014

Santos da India - Sábio Narada

Autobiografia do Sábio Narada




(Uma narrativa da evolução espiritual do sábio Narada, em suas próprias palavras)



Fui filho de uma pobre criada. Meu pai faleceu quando eu era ainda muito jovem e nada me lembro dele. As únicas lembranças que tenho são aquelas de minha mãe. Após a morte de seu pai, minha mãe começou a trabalhar realizando pequenas tarefas domésticas na casa de um Brahmin. Cresci nesta casa.

Minha mãe tinha que trabalhar o dia todo. Lavar roupas, limpar utensílios, etc  fazia parte de suas tarefas diárias. Eu costumava perambular atrás dela na casa ajudando-a com essas tarefas. Isto agradava muito minha mãe. Ela era extremamente amorosa e costumava demonstrar ternamente essa afeição. Por se tratar de seu único filho, ela nutria grandes esperanças com relação a mim. Ela acreditava que seu filho cresceria, teria um trabalho adequado e então casaria. A nora poderia provê-la com toda a felicidade que ela pudesse querer.    

Um dia um grupo de sadhus em peregrinação apareceu em nossa aldeia. As pessoas  pediram para que eles permanecessem por alguns meses de modo a nos beneficiar da convivência de suas sagradas companhias. Os aldeões fizeram preparativos para suas estadias. O Brahmin em cuja casa eu estava morando me levou aos sadhus e disse a eles: “Ele é o filho de uma pobre viúva. Queiram deixá-lo que fique à disposição. Ele será útil para buscar flores, folhas de Tulsi etc. para seus rituais. Ele fará tudo o que disserem para fazer”

Dessa forma comecei a servir aos santos. Na verdade é raro obter darshan de santos verdadeiros.  Mais raro ainda é uma chance de servi-los. Mesmo se temos uma chance de servi-los, é difícil desenvolver plena fé neles.  Na realidade, quem permanece 24 horas na companhia de santos é obrigado a observar suas falhas também. Somente Deus é perfeito. Aquele que vive neste corpo sujo, entretanto pode se tornar um grande santo, está sujeito a muitas falhas. Mas um santo perfeito nada pode fazer. Sua perfeição não o deixaria viver separado de Deus, que, por definição, é neutro. Em tal cenário, como podem santos benevolentes nos conceder a graça de sua compaixão (uma vez que suas próprias “neutralidades” os tornaria incapazes de agir). Entretanto, somente aquele que possui fé suprema nos santos pode colher as ricas recompensas de suas companhias.

Desenvolvi duas qualidades favoráveis desde a infância. A primeira foi a de  levantar cedo antes do nascer do sol. Este auspicioso momento é conhecido como “Brahma Muhurta” e corresponde  aproximadamente a 3:30 AM. Meu guru, que era o lider dos sadhus, costumava acordar as 4:00 horas. Eu me prostava perante ele logo que me levantava. Isto o agradava imensamente. Os santos gostam daqueles que se levantam cedo. Minha segunda qualidade era falar muito pouco. Isto também cativa os santos, que não apreciam falatório. Eu costumava ficar perante meu guru com as palmas das mãos unidas. Humildade é uma característica necessária para se obter a graça dos santos. Na verdade isto é o maior mérito da pobreza. Ela traz consigo a resignação e a submissão. “Eu não tenho um único tostão. Sou um analfabeto. O que teria para me orgulhar?” Essas emoções que acompanham a pobreza destrói o nosso orgulho. O dinheiro por outro lado inevitavelmente fortalece nosso orgulho. 

Meu guru costumava discursar regularmente para os aldeões. Pela manhã ele costumava falar sobre as Upanishads e a noite ele narrava as doces estórias do Senhor Krishna, que era seu Ishta-Devata. Ele possuia imensa afeição por Krishna na forma de bebê.  Sempre que ele começava a lembrar do Senhor, lágrimas brotavam de seus olhos sufocando sua garganta. Ele possuia uma afeição extrema pelas estórias de Krishna e as narrava de uma maneira que afetava imensamente os ouvintes. Eu também desfrutava profundamente dessas estórias, particularmente aquelas sobre os amigos vaqueiros de Krisha, que, assim como eu, não tiveram educação nem possuíam nenhuma riqueza, mas que ainda assim eram os favoritos de Krishna.

Tais eram as vívidas descrições de krishna por meu Guru. Eu era uma criança, mas muito influenciado por essas estórias. Deus ama as crianças, que imediatamente entram em Suas câmaras interiores. Aquele cujo coração for puro, este será favorecido por Deus.

Um dia meu guru me concedeu excepcional graça. Foi num festival onde havia celebração em todo lugar. Eu estava a serviço desde manhã. À tarde, após o almoço dos santos, fui para dentro colher seus pratos. Meu guru estava lá sentado. Na realidade, é somente o carinho de um santo que é puro. O amor dado por este mundo é egoísta. Para aquele que obteve de Deus, não existe mais nada a se obter, e ele não possui outro interesse além de Deus. Somente aquele que experienciou Deus dessa forma é capaz de amar de forma totalmente desinteressada. O olhar de um verdadeiro santo está sempre brilhando com o orvalho do amor.



Ao me ver guruji perguntou: “Filho! Você comeu?” Eu estava faminto e cansado. Quem iria dar a uma pobre criança como eu comida tão cedo? Vi o amor de meu guru inundando-me numa onda de afeição. Lágrimas rolaram de meus olhos. “Como ele se importa comigo! Quão grande é o seu amor por mim!”  Com palmas das mãos em prece disse: “Ainda tenho algum serviço para prestar aos santos; depois disso eu tomarei seu prasad.” Guruji percebeu que ninguém tinha me dado comida até agora: “Este garoto é o primeiro a se levantar. Serve os santos o dia inteiro. Ouve aos discursos todos os dias. Certamente Deus abençoará esta criança. Possa ele ser abençoado com a graça de bhakti.”  Guruji estava dominado pela compaixão. Ele me disse: “Filho! existe ainda alguma comida deixada em meu prato. Vá e coma-a” Então ele abençoou-me com o último prasad. 

Em verdade meu guruji tinha como regra nunca sequer tomar água sem primeiro oferecer ao Senhor krishna. Então cada refeição que ele tomava ficava reduzida a prasadam. O que posso dizer! Comer o prasad naquele dia transformou minha vida. O néctar de Krsihna Katha foi particularmente doce para mim naquele dia. Participei do kirtan do sagrado nome de Deus dançando em êxtase. O supremo amor de Deus fluiu em minhas veias. Quando o amor por Deus é aceso  no coração do indivíduo ele destrói todos os nossos pecados. Ninguém pode viver sem Deus. O erro que cometemos é que amamos este mundo mais do que amamos a Deus. Guruji abençoou-me e acendeu a chama do divino amor em minha alma.

Após quatro meses chegou o tempo em que meu guru teria que partir. Senti-me muito triste. A companhia de um homem mundano e a separação de um homem santo – ambos levam a tristeza. Quando meu guru estava descansando sozinho  fui e prostrei-me perante ele. Com as mãos postas perguntei a ele: “Guruji! Você me deu o conhecimento de Deus. Por sua causa que agora percebo o que a verdadeira felicidade significa. Por favor, não me deixe. Eu o servirei sempre, por favor, me leve com você.”
   
Meu guru, um jnani, respondeu: “Filho! não teria nenhum problema em levá-lo; entretanto, eu deixaria sua mãe muito triste. Você está em débito com ela. Você é o seu únicofilho. Sirva-a. Serviço a sua mãe é nada mais que apenas bhakti. Você deve ficar em casa e fazer essa bhakti.”

Respondi: “Guruji! você disse uma vez que nosso espírito está conectado a Deus e nosso corpo aos nossos pais ou irmão-irmã etc. O espírito deve sempre prevalecer sobre o corpo. Você explicou que quando existir um conflito entre o espírito e o corpo, então temos que manter o corpo como secundário e dar preferência ao espírito. A principal tarefa do espírito é cultivar amor por Deus. Na verdade a verdadeira relação é aquela do espírito com Deus. Nossa relação com este mundo é falsa. O verdadeiro guru é aquele que nos previne do pecado e nos guia no caminho de bhakti. Amo muito minha mãe. Mas ela me desencorajava a ouvir seus discursos. Ela achava que eu era muito jovem para isso. Ela diz que devo primeiro estudar para me livrar dos exames. Quando terminar meus exames terei um trabalho. Após o trabalho terei uma esposa e então virão as crianças. Isto é tudo o que significa desfrutar a vida!

“Guruji! Minha mãe não sabe o que significa a verdadeira felicidade. Apenas você me explicou onde está a verdadeira felicidade. Você me mostrou a luz. Minha mãe quer que eu me case e tenha filhos. Eu não tenho nada a ver com esses apegos mundanos. Eu não quero viver com minha mãe. É você que define um verdadeiro Vaishnava como aquele que se mantem distante daqueles que não amam ao Senhor Krishna. De fato, um Vaishnava é aquele que não possui nenhum ódio, mas evita a companhia daqueles que não possuem bhakti.”



A isto Guruji respondeu: ”Filho! A coisa correta é viver aqui somente. Mas ela é a sua mãe. Ela o nutriu em seu ventre por 280 dias  Nunca esqueça o amor e proteção da mãe. O filho que serve sua mãe é aquele que é caro ao Senhor. O corpo é gerado apenas pela mãe. Ainda que também seja verdade que a mente não seja dada por ela. Por isso faça bhakti de Deus com sua mente e sirva sua mãe com seu corpo. Suas relações exigem apenas o seu corpo. Eles não requerem sua mente. Deus não precisa nem de seu corpo nem de seu dinheiro. Ele pede apenas que você dê sua mente a Ele.”

Eu perguntei: “Como posso praticar bhakti com minha mente?”

Guruji respondeu: “A partir de hoje, comece acreditando ser você apenas um servo na casa do pai de Krishna, Nanda Baba. Lembre-se que Krishna, quando segue suas vacas, não calça sapatos. Ele anda descalço. Seu trabalho é caminhar na frente Dele retirando os seixos e pedras em Seu caminho para que não O machuque. Quando Krishna estiver brincando com Seus amigos nos bancos do rio Yamuna, você pega um cacho de uvas e lentamente alimente-O uma a uma. 

“Filho! Lembre-se, ninguém pode compreender a lila de Deus. Talvez sua mãe mude. Sempre viva de acordo com os desejos dela. Fale da maneira que a agrade. Respeite-a.  Curve-se perante ela. Devido as bençãos dela você jamais encontrará problemas em sua bhakti.”

Então meu guru me deu um mantra para entoar que tinha o nome de krishna nele.  O canto do nome divino limpa todos os pecados. Ele também instruiu para que primeiro eu atraísse Krishna para minha mente e então cantasse Seu nome. Todo tempo eu deveria pedir a Krishna: “Querido Senhor! minha mente divaga incessantemente neste mundo.Não posso mantê-la sob meu controle. Por favor faça com que ela seja atraída em Vossa direção.     

“De fato, o poder de atração de Krishna é divino. Cante “Krishna Krishna!” com amor. Peça o amor Dele. Lentamente Ele atrairá sua mente na direção Dele. Nossa única tarefa é chamar por Ele com amor. O restante Ele fará por Si mesmo.”

Após me dar esta instrução, meu guru partiu. Senti-me devastado com a  separação. Quanta afeição ele tinha por mim! Sempre que alguém me cumprimenta com respeito me lembro dele. Minha fama é apenas o resultado de sua graça.

Seguindo suas instruções, permaneci em casa por mais doze anos. Com meu corpo eu servi minha mãe enquanto minha mente estava sempre em Vrindavana. Realizei bhakti em direção a Krishna cantando o mantra que foi dado pelo meu guru.

Um dia, cedo pela manhã, minha mãe estava indo ordenhar as vacas. No escuro ela pisou numa cobra que a picou. Ela morreu instantaneamente. Acreditei que isto também fosse uma expressão da graça de Deus e não senti muita dor no acontecimento.  Eu estava atado por um simples fio de apego. Deus também havia rompido esse agora. Agora eu pertencia somente a Deus e percebido que exceto Deus não existe ninguém que eu poderia realmente chamar de meu. Comecei a viver imerso em Ananda desta bhava.  

Tudo o que tinha em casa eu gastei com os últimos ritos de minha mãe. Com apenas um pedaço de pano eu deixei a casa. Ouvi de meu guru que Deus cuida mesmo de ateístas. Então não teria que me preocupar com aquele que seria Ele próprio. Animais e pássaros não se preocupam onde eles obterão a próxima refeição. Eles nada armazenam. Eles mantém fé em Deus. O Deus que dá a comida hoje dará também amanhã. É somente o ser humano que se agita demais sobre sua comida.

Minha fé no nome divino era tão intensa que eu cantava mesmo quando caminhava. Mesmo quando eu conversava o fluxo constante do canto interior continuava. A pessoa que se torna una com o nome de Deus mais adiante também se  torna una com Deus. Isto é possível somente para aquele que constantemente canta o nome divino.

Caminhei em várias perigrinações por muitos anos. Lembro claramente que nem uma vez sequer pedi por comida.  Nunca fiquei com fome pela graça de Deus. Sempre que estava com fome, Deus inspirava alguém para vir e me oferecer comida. 

Um dia, vagando, alcancei as margens do rio Ganges. Prostrei-me perante o mesmo e banhei-me em suas sagradas águas. Então sentei-me sob uma árvore à margem do rio e continue meu canto. Minha mente estava agora purificada. Com esta mente pura nasceu o desejo de ter um darshan físico do Senhor. Eu já tive o darshan  Dele mentalmente muitas vezes. Então vi perante mim uma luz azul. Minha visão foi reduzida a pura luz. O canto interior continuou. Então discerni a forma do Senhor Krishna composta de luz. Na minha frente estava o Senhor Krishna aos cinco anos. Eu amo totalmente esta forma de krishna. Aquele dia mãe Yashoda estava adornada com uma belíssima roupa amarela. Ele tinha um cinto com sinos. Havia brincos em Suas orelhas com pérolas em Seu nariz. Havia uma tilaka na testa e Seu cabelo era sedoso. Ele tinha uma coroa com pena de pavão em Sua cabeça e a flauta em Sua pequenina mão. Um sorriso de divertimento em Seus lábios e os olhos preenchidos com afeição. A felicidade desse darshan é inexplicável. Mesmo a Deusa Saraswati não teria palavras para descrever aquela maravilhosa visão de krishna.

Krishna me olhava intensamente com amor. Eu queria correr em Sua direção e me refugir a Seus pés. Ele é meu mestre. Sou apenas um mero servo Dele. Este sentimento foi fortalecido. Meu mestre é extremamente generoso. Ele é todo amor. Quando venerando Seus pés, Ele colocará Suas mãos sobre minha cabeça. Corro para tocar seus pés. Antes que eu possa alcançá-Lo, Krishna desaparece.

O lugar onde recebi o darshan de Deus, eu considero como o “lugar de Deus”, e decidi nunca deixar este local. Eu fico apenas lá. Eu experimentei o seguinte benefício lá: Apenas seis meses antes de minha morte experienciei que o corpo era diferente do espírito. Eu não sou o corpo. O nó que ata o inanimado como animado se desata. O corpo é inanimado e o espírito animado. Estes dois têm estado atados.A Vedanta chama este  de ”irreal”. Ainda que irreal, é  motivo de aflição para todos nós. Este nó se desata apenas quando cultivamos amor por Deus. Bhakti é a única forma de desatar esse nó. No final, minha experiência foi que. qualquer que tenha sido a minha bhakti, eu recebi seu fruto.     

Não experimentei nenhuma dor ou sofrimento no momento da morte. Deixei meu corpo pensando no meu amado Krishna. Aquele cuja mente está atada ao mundo experiencia dificuldade ao deixar o corpo. Ele não quer desistir de seu corpo, mas os Yamadutas não o deixa viver lá. Eles humilhantemente o empurram para foro de seu corpo. Após deixar meu corpo fui para Brahmaloka, onde renasci como Brahma Ji`s manas-putra (nascimento mental). Lá fiquei entregue ao meu instrumento musical, e agora, livre de tudo, passeio pelos três mundos, cantando a glória de meu amado Deus Narayana.

Esta narrativa é quase totalmente baseado nos ensinamentos de Shri Dongre Ji.



(Exotic India – Artigo de mês de abril/2014)



Um comentário:

  1. Belíssima história de Narada, muito obrigado querido Govinda, por compartilhar conosco! É um texto para se ler sempre porque é altamente inspirador! Jay Narada! Jay Sri Krishna! Abcs, Om, Narayana

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