Autobiografia do
Sábio Narada
(Uma narrativa da evolução
espiritual do sábio Narada, em suas próprias palavras)
Fui filho de uma pobre criada.
Meu pai faleceu quando eu era ainda muito jovem e nada me lembro dele. As
únicas lembranças que tenho são aquelas de minha mãe. Após a morte de seu pai,
minha mãe começou a trabalhar realizando pequenas tarefas domésticas na casa de
um Brahmin. Cresci nesta casa.
Minha mãe tinha que trabalhar o
dia todo. Lavar roupas, limpar utensílios, etc
fazia parte de suas tarefas diárias. Eu costumava perambular atrás dela
na casa ajudando-a com essas tarefas. Isto agradava muito minha mãe. Ela era
extremamente amorosa e costumava demonstrar ternamente essa afeição. Por se
tratar de seu único filho, ela nutria grandes esperanças com relação a mim. Ela
acreditava que seu filho cresceria, teria um trabalho adequado e então casaria.
A nora poderia provê-la com toda a felicidade que ela pudesse querer.
Um dia um grupo de sadhus em peregrinação apareceu em
nossa aldeia. As pessoas pediram para
que eles permanecessem por alguns meses de modo a nos beneficiar da convivência
de suas sagradas companhias. Os aldeões fizeram preparativos para suas
estadias. O Brahmin em cuja casa eu estava morando me levou aos sadhus e disse
a eles: “Ele é o filho de uma pobre viúva. Queiram deixá-lo que fique à
disposição. Ele será útil para buscar flores, folhas de Tulsi etc. para seus
rituais. Ele fará tudo o que disserem para fazer”
Dessa forma comecei a servir aos
santos. Na verdade é raro obter darshan de santos verdadeiros. Mais raro ainda é uma chance de servi-los.
Mesmo se temos uma chance de servi-los, é difícil desenvolver plena fé
neles. Na realidade, quem permanece 24
horas na companhia de santos é obrigado a observar suas falhas também. Somente
Deus é perfeito. Aquele que vive neste corpo sujo, entretanto pode se tornar um
grande santo, está sujeito a muitas falhas. Mas um santo perfeito nada pode
fazer. Sua perfeição não o deixaria viver separado de Deus, que, por definição,
é neutro. Em tal cenário, como podem santos benevolentes nos conceder a graça
de sua compaixão (uma vez que suas próprias “neutralidades” os tornaria
incapazes de agir). Entretanto, somente aquele que possui fé suprema nos santos
pode colher as ricas recompensas de suas companhias.
Desenvolvi duas qualidades
favoráveis desde a infância. A primeira foi a de levantar cedo antes do nascer do sol. Este auspicioso momento é
conhecido como “Brahma Muhurta” e corresponde
aproximadamente a 3:30 AM. Meu guru, que era o lider dos sadhus,
costumava acordar as 4:00 horas. Eu me prostava perante ele logo que me
levantava. Isto o agradava imensamente. Os santos gostam daqueles que se
levantam cedo. Minha segunda qualidade era falar muito pouco. Isto também
cativa os santos, que não apreciam falatório. Eu costumava ficar perante meu
guru com as palmas das mãos unidas. Humildade é uma característica necessária
para se obter a graça dos santos. Na verdade isto é o maior mérito da pobreza.
Ela traz consigo a resignação e a submissão. “Eu não tenho um único tostão. Sou
um analfabeto. O que teria para me orgulhar?” Essas emoções que acompanham a
pobreza destrói o nosso orgulho. O dinheiro por outro lado inevitavelmente
fortalece nosso orgulho.
Meu guru costumava discursar regularmente
para os aldeões. Pela manhã ele costumava falar sobre as Upanishads e a noite
ele narrava as doces estórias do Senhor Krishna, que era seu Ishta-Devata. Ele
possuia imensa afeição por Krishna na forma de bebê. Sempre que ele começava a lembrar do Senhor, lágrimas brotavam de
seus olhos sufocando sua garganta. Ele possuia uma afeição extrema pelas
estórias de Krishna e as narrava de uma maneira que afetava imensamente os
ouvintes. Eu também desfrutava profundamente dessas estórias, particularmente
aquelas sobre os amigos vaqueiros de Krisha, que, assim como eu, não tiveram
educação nem possuíam nenhuma riqueza, mas que ainda assim eram os favoritos de
Krishna.
Tais eram as vívidas descrições
de krishna por meu Guru. Eu era uma criança, mas muito influenciado por essas
estórias. Deus ama as crianças, que imediatamente entram em Suas câmaras
interiores. Aquele cujo coração for puro, este será favorecido por Deus.
Um dia meu guru me concedeu
excepcional graça. Foi num festival onde havia celebração em todo lugar. Eu
estava a serviço desde manhã. À tarde, após o almoço dos santos, fui para
dentro colher seus pratos. Meu guru estava lá sentado. Na realidade, é somente
o carinho de um santo que é puro. O amor dado por este mundo é egoísta. Para
aquele que obteve de Deus, não existe mais nada a se obter, e ele não possui
outro interesse além de Deus. Somente aquele que experienciou Deus dessa forma
é capaz de amar de forma totalmente desinteressada. O olhar de um verdadeiro
santo está sempre brilhando com o orvalho do amor.